domingo, 8 de janeiro de 2012

Raphael

    No céu escuro, a lua se esforçava para transferir a luz refletida do sol através das nuvens até o solo terreno. Ele não sabia disso, pois estava em seu quarto escuro e com as cortinas pesadas bem fechadas, mas era fácil deduzir a cena que se desenrolava do lado de fora, e garanto, não era só a lua e a nuvem. Desde que o céu escureceu em todo o mundo - naquele dia fatídico, em que desapareceram milhões de pessoas, e até hoje se encontram os corpos delas, em vários cantos, corpos foram retirados de onde estavam e foram parar em locais estranhos - Desde aquele tempo Raphael não tem conseguido dormir corretamente. Os dias são muito frios, abaixo de zero, e pela noite é possível ouvir chiados, o som que sai da garganta daqueles que perderam suas almas para as trevas. O som não é apenas um chiado, é um lamento, um sofrimento, mas tente amparar um deles e você servirá para coisas inimagináveis. Todos que foram raptados nunca retornaram, ninguém sabe o motivo dos raptos.
    Raphael está com gigantescas olheiras, seus olhos vermelhos ardem, não consegue lacrimejar direito, esta sem dormir há dias, nesse ritmo morrerá subitamente.
    De repente estrondo, correria, gritos, e a curiosidade o fez se levantar - Um breve desequilíbrio causado por tontura, de súbito veio, de súbito se foi. - Com cautela ele puxou uma pequena parte da cortina para o lado, então enxergou trechos da sua rua, postes com luzes apagadas, carros abandonados, casas saqueadas, quantas lembranças, agora só via aquelas coisas que deformaram corpos humanos, corpos de antigos conhecidos e amores. Alguns metros à frente ele viu uma família,  mãe, pai e um moleque de três anos. Eles estavam caídos ao chão, apenas o homem, um homem de quarenta anos, debilitado pelo sono, cansado, ele empunhava uma cano de água de pouco mais de um metro. Na ponta do cano havia muito sangue.
    Raphael não sabe como aconteceu, mas houve um lapso, um fechar e abrir de olhos, que não saberia dizer quanto tempo se passou, mas quando seus olhos voltaram a repousar sobre a rua, a família já não estava lá, havia apenas corpos, não mortos, não mastigados ou devorados, eram simplesmente corpos deformados vagando de um lado para o outro, querendo fazer vitimas. Nada fazia sentido, claro, e nunca fará sentido, mas as coisas estavam acontecendo e piorando. Raphael queria sair dali, em sua geladeira pouco alimento, em seu rosto o desespero. Não podia ligar nada, nem um chuveiro, tinha que manter silencio total, do contrario seria notado. Não tinha arma de fogo, não havia esperança, não tinha amados, todos os seus estavam do lado de fora, vagando, sem suas almas, que estavam presas em abismos da consciência inimagináveis e inacessíveis.
    O dia seguinte veio, o sol ultrapassou a grossura da cortina e atingiu Raphael, que estava sentado em sua cama de solteiro, com os olhos mais fundos a cada dia, e o desespero maior a cada segundo. Ele se levantou e como de costume, colocou os fones de ouvido e tentou captar algum sinal de rádio, e como sempre, só estática. Ele então guardou seu aparelho MP3, que em breve estaria sem carga e sem poder ser recarregado. Ainda havia eletricidade, mas só por mais dois dias, nenhum sistema estava sendo monitorado ou regulado. 
    Sono cronico. Raphael se levantou, e caiu no chão logo em seguida, sorte ser dia, as criaturas estavam dormindo. Quando se ergueu, com muita dificuldade, seu lado esquerdo doía como se tivesse sido triturado. Com dificuldade ele andou até o banheiro, foi escorando nas paredes, seus olhos querendo fechar, só conseguiria controlar o sono por mais um dia. No banheiro ele abriu o compartimento do espelho, de lá retirou um frasco de analgésicos, engoliu à seco uns quatro comprimidos. De volta para o quarto, ele desabou na cama. Olhou para o teto, queria que desabasse sobre ele.
     Aquilo estava em seu quarto, andando se arrastando, com passos gosmentos e cópias deturpadas dos nossos passos. Coisa que só aparece de noite e só deveria existir do lado de fora estava em seu quarto, com aquele chiado desesperador, com aquele sorriso que nada tem de engraçado, com aquela aparência de involucro sem espirito. Desesperado Raphael gritou, se levantou ás pressas, mas só para perceber que não havia ninguém em seu quarto, era apenas uma alucinação causada pela falta de sono. Ele voltou à cama, mas não se deitou. Ele estava com os reflexos lentos, se estivesse em melhor condição, perceberia de imediato que aquele grito seria o suficiente para acordar os seres e leva-los até ele. Raphael não dormia para ficar de olhos abertos e por medo de roncar e chamar atenção, mas agora havia gritado. Talvez a falta de sono tenha postergado sua morte, mas será que foi benéfico? Ficar do jeito que ele ficou, à base de 2 litros de café por dia, sofrimento e panico, será isso bom?
    De repente um déjà vu, novamente estardalhaço do lado de fora. Mais cansado que ontem e menos animado também, Raphael se levantou e foi até a janela ver o que se passava. Viu então um grupo de humanos, uns sete. Eram pessoas que portavam armas de fogo, tacos de beisebol, canos de ferro, retirados de tubulações de água, pedaços de madeira, e um homem usava uma espada, igual àquelas dos filmes de ninjas. Na cola deles estavam os seres, coisas que pela narrativa alguém poderia confundir com zumbis, ou vampiros, mas nenhum e nem outro, eram coisas inimagináveis, impossíveis de descrever para quem não as viu. Eram coisas nojentas, que deturparam a vida humana, retirando toda a alma, toda inteligencia, e deixando um maldito chiado grosseiro e uma aparência diabólica aos corpos.
    Tanto alvoroço, logo aquela região estaria cheia dos seres e até uma respiração seria audível para eles, permanecer seria perigoso, pois os seres não trabalham isoladamente, quanto mais deles, maior o poder individual deles também, se um podia ouvir longe, muitos poderiam ouvir mais longe. Raphael arrumou algumas coisas em sua mochila, alimento enlatado, três frutas, duas peras e uma maça, um facão, dois livros e roupas. Às pressas ele correu para a porta, a abriu e correu na direção do grupo, que se assustou com ele. Um dos que estavam lá perto correu em sua direção, e antes que Raphael pudesse dizer algo, ou antes que fosse percebido como humano, ele recebeu um golpe de porrete na cabeça, então escuridão. Ele ainda não estava morto.
    O grupo se foi, e três horas depois ele acordou. Sua cabeça ainda doía muito, e sua visão era turva, demorou para enxergar as coisas em sua volta. Antes mesmo de ver algo, ele estava se esforçando para ficar de pé, e ao conseguir, ainda não enxergava nada. Ele não sabia se deveria seguir ou ficar, nem sabia se era noite ou dia. No passado ele gritaria, hoje não poderia faze-lo, morreria imediatamente. Ele então só podia esperar, e enquanto fazia isso, tentava localizar as ideias, tentava entende-las, o que havia acontecido. Quando conseguiu colocar tudo no lugar, era já tarde. Uma das características dos seres sem alma é destruir a consciência sem que seja percebido o fim. Por isso temem mais a eles que zumbis, pois com zumbis é possível à você gritar, sentir suas mordidas, dá para reagir. Com aquelas coisas era diferente. Se fosse possuído não tinha volta, perderia a consciência e entraria num limbo abissal, viajando por setores da mente que ninguém adentrou, no fim seu ego seria diluído e nada emergiria para retomar seu corpo, nada, a não ser o que está fora da compreensão humana. Foi exatamente isso que ocorreu a Raphael. Quando ele voltou a abrir os olhos, já não estava mais no mundo real, havia caído em estágios cada vez mais profundos da mente, até sua consciência ser diluída e nada sobrar. Ele nem percebeu que perdeu seu corpo para seres que detestava. No fim, Raphael era só mais um corpo ambulante, andando pelas ruas de seu bairro, com olhos completamente brancos, arrastando o corpo e sendo deformado a cada passo, até se tornar aquilo que é impossível de descrever com palavras.

domingo, 20 de novembro de 2011

Marcus e suas incertezas sobre a vida.

       Havia acabado de amanhecer, o despertador havia acordado Marcus. Meio sem vontade, ele se levantou, olhou para sua namorada, que dormia a seu lado na cama de casal. Após se levantar ele se espreguiçou, soltou um ligeiro gemido grave, ouviu o estalar dos ossos e foi para o banheiro, enquanto sua namorada se virava para o outro lado. Após lavar o rosto e tomar um banho quase frio, ele se sentiu acordado de fato. Ele retornou nu para o quarto, acendeu a luz sob protestos de juliana, sua namorada, em seguida escolheu sua roupa no armário, acabou vestindo o mesmo de sempre, a calça jeans desbotada e a camisa com uma enorme foto de Johnny cash, do álbum American III. De volta ao banheiro, ele passou gel nos cabelos molhados, os penteou, parecia o Elvis Presley. Retornou ao quarto só para apagar a luz, beijar a testa de sua amada, deseja-la bom sono, pegar uns trocados para passagem e lanche, no cofre. 
       Como havia saído sem o desjejum, iria toma-lo na rua, em alguma imunda pastelaria chinesa, que cresciam naquela área como se fossem uma colonia de fungos. Enquanto comia algo de nome estranho e sabor absurdamente horrível, e bebia um caldo de cana velho, uma gritaria começou, e junto o som de freadas bruscas, perda de controle de carro. Ele estava curioso para ir ver o que era, mas se fosse, iria perder o desjejum e se atrasar para a faculdade, alias, era o futuro seu e de sua amada. Ele prometeu cuidar dela, dar para ela o que ela merecia, inclusive um futuro melhor. Por vezes ele disse que só cresceria por ela, pois ele mesmo já não aguentava o esforço. Faculdade de manha, trabalho à tarde e cursos aos sábados. 
         Quando menos notou, estava imerso em vários pensamentos, principalmente em como estava juliana. De brancura de boneca, rosto de anjo, corpo de miss e sedução de meretriz, era acima de tudo isso, a mulher que Marcus amava. Enquanto mastigava o pedaço de massa estranho, ele imaginou ter filhos com a jovem. Eram muitos pensamentos bons, não poderia notar que uma briga estava perto de acabar, perto da pastelaria. De repente, três disparos de arma de fogo, dados praticamente a esmo. Um atingiu o alvo, um senhor de sessenta anos, que por andar lentamente havia feito um jovem policial frear muito em cima e por isso causou o acidente, o que o enfureceu, afinal, o velho dirigia um fusca e não um importado. O segundo tiro atingiu, por incrível que pareça um carro que passava do outro lado, atingiu o pescoço do motorista inocente. O terceiro tiro atingiu a pastelaria, espatifou o vidro que protegia os salgados. Isso fez Marcus voltar a si e se desesperar. Cacos haviam voado em todas as direções, haviam entrado em seus olhos, mas sem causar grandes danos, o maior dano foram os pedaços enormes que atingiram suas mãos, elas começaram a sangrar muito, enquanto isso os olhos doíam, os pedaços de vidro se mexendo dentro dos olhos, machucavam cada vez mais, piscar se tornou insuportável. mas isso acabou logo, pois o motorista que recebeu um tiro no pescoço perdeu o controle do carro e entrou com tudo na lanchonete. Era uma kombi antiga, pesada, que estava há oitenta por hora e atingiu Marcus em cheio, jogando-o bem longe. Quando ele caiu atingiu com violência o chão, mas antes de cair, ele já nada mais tinha visto, tudo virou escuridão.
          Durante vários dias, meses, quase um ano, Marcus ficou em coma, desanimando sua amada, que sempre o visitava e deixava-lhe dois presentes, um beijo na testa e uma rosa num copo com água. Nesse período ele só respirou por aparelhos. Os médicos já haviam dito a verdade para a moça e a família, era certo que o rapaz nunca mais voltasse a abrir os olhos, a morte era certa. O neurocirurgião que atendeu Marcus, chegou a dizer que se ele voltasse ao normal, seria com muitas sequelas, tantas que seria como se continuasse em coma. Completou dizendo que se ele voltasse ao normal, ele, o cirurgião, acreditaria em deus. Por mais absurdo que seja, juliana cobrou do médico, que acreditasse em deus, pois antes de completar exatos seis meses, Marcus apresentou sinais de melhoras, não acordou, mas não precisou mais de aparelhos para respirar. Mais três dias e o jovem acordou. De imediato exames neurológicos foram realizados, para espanto da equipe médica, ele não apresentava uma única sequela, para festa de todos. E após 8 meses no hospital, ele pode voltar para casa, ainda sob cuidados, claro. Ah, ele teve sim uma sequela, perdeu a visão do olhos esquerdo, mas não por problemas neurológicos, mas pelos cacos de vidro. O tempo passou rápido e depois de mais alguns meses em fisioterapia, o rapaz pode voltar à normalidade. Haviam até marcado uma cirurgia para seu olho perdido, iriam recupera-lo. O seu mundo havia girado, quase o mandou para fora, mas acabou retornando ao inicio, dando uma nova oportunidade, permitindo tentar mais uma vez. Sua historia virou exemplo na família. O próprio Marcus acabou mudando.
           De volta à normalidade, ele retomou a faculdade, eventualmente revia os amigos, alguns nem sabiam do ocorrido. Sempre perguntavam se ele havia tido experiencia de vida após a morte, ele sempre respondia que não, que de nada lembrava, foi tudo completa escuridão. Todos queriam conversar com ele, talvez por pena, por respeito ou admiração, afinal, teve uma recuperação completa, raro nesses acidentes. Mas como o próprio Marcus falava, se aconteceu, não foi milagre, existia possibilidade, pode estar acontecendo com mais alguém.
           Após alguns meses na sala de aula, ele notou algo estranho, o professor passava a mesma matéria, ou algo semelhante. Quando Marcus decidiu perguntar, o professor saiu da sala às pressas, Marcus foi atrás, mas quando deu no corredor, não havia ninguém ali, o professor havia desaparecido. Quando voltou a sala, se sentou e conversou com alguns antigos amigos sobre o ocorrido, estranho. Naquele dia outro professor entrou na sala, usava preto, chapéu de Cowboy e um violão nas costas, que nunca usava.  
           O tempo foi passando, e na faculdade o descontentamento era enorme, os professores haviam estagnado. Mas não era só isso, na televisão as noticias eram as mesmas, repetidas. 
           Certo dia, enquanto copulava com a amada, ele ouvi-a chorar, mas não parecia ali perto, parecia longe. Ele interrompeu o coito, perguntou se ela estava bem, ela, que estava de quatro, olhou para trás, e respondeu que sim. Marcus tomou um susto, pois naquela escuridão que estava o quarto, juliana pareceu sua mãe, o rosto era idêntico, mas o escuro sempre nos engana. Mas havia algo errado, pois novamente alguém chorou, agora era sua mãe, chorando enquanto Marcus transava com juliana. Ele parou novamente o coito e disse que estava acontecendo algo errado, tinha que ir num neurologista, a moça discordou, mas aceitou acompanha-lo pela manhã. Ele estava tendo alucinações visuais e auditivas, talvez houvesse ficado alguma sequela. 
            Pela manhã, sem sentir nada estranho, Marcus decidiu adiar a consulta, preferiu ir para a faculdade.
           Logo que entrou na sala, reconheceu todos seus colegas lá. Ele se sentou e a aula começou, com o mesmo tema de sempre. No meio da aula Marcus percebeu que todos seus amigos estavam lá, mas não eram para estar, pois eles estavam mais avançados. Quando Marcus resolveu indagar, seu professor de preto entrou na sala, pela primeira vez usou o violão, para cantar "Cry, Cry, Cry" do Johnny cash. Marcus saiu da sala às pressas, pois algo estava muito errado. Quando chegou no corredor da faculdade, ele parecia infinito, para onde olhava ele se estendia até não poder ver mais. O jovem escolheu um lado e saiu correndo. Enquanto o desespero crescia, pois estava obvio que algo estava errado. Na sua mente surgiram vozes familiares, amigos, mãe, pai, namorada. Todos diziam adeus, diziam ama-lo. De repente o som de um estalido, como um beijo e depois uma frase absurda, que não fazia sentido. "Sim, meu filho era doador de Órgãos". Marcus enlouqueceu, o que estava acontecendo? Em seguida mais uma frase marcante, "Tem certeza que o cérebro dele está morto, não tem alguma chance de voltar a viver? Ele não nos ouve? Nada sabe?". Alguém concordou, disse que o cérebro estava morto, ele estava clinicamente morto, só era mantido vivo para serem retirados os órgãos. 
            Perante o absurdo, Marcus parou, tremia muito, estava bem nervoso. De repente o corredor começou a se desfazer, em ambas as pontas. De ambas as pontas surgia um escuridão impenetrável. Ela se aproximou, atingiu o jovem, que ainda permaneceu consciente, mas nada mais via. Ele estava incerto quanto a tudo aquilo, o que era? De repente invadiu sua mente o som de cânticos cristãos, cânticos de morte. O som de muito choro foi ouvido, um uníssono adeus. Marcus não teve consciência suficiente para ouvir juliana chorar e pedir para ir junto. A moça disse que não aguentaria viver sem o amado, foi comovente, mas Marcus morreu antes disso. 
             Quando a kombi o atingiu, ele entrou em coma, nunca mais acordou. O que o médico havia dito fora real, ele não precisou acreditar em deus, pois Marcus morreu.

Cavaleiro fantasma, o inicio da vingança(parte 2).

         Fazia pouco tempo que o sol havia aparecido e preenchido o pano de fundo daquela região árida, com algumas elevações rochosas e vegetação rasteira, vegetação que parecia moribunda, perto do fim. O sol fazia jus à região que iluminava, não passava das sete da manhã, mas o sol queimava com mais de 35 graus, estava um inferno. Sob o calor do sol, corria um homem, estava desperto, mas desorientado, e nada tinha haver com os dois dias de viajem exaustiva pelo deserto que corta sua cidade e a cidade destino.
                Seu cavalo marrom levantava poeira, mas estava fraco, queria beber água, não aguentava mais a viagem. O cavaleiro parou, saltou do animal, apanhou um cantil, desenroscou a tampa, colocou a mão no queixo do animal e o ergueu, depois virou parte do conteúdo do cantil na goela do cavalo reclamão. O cavaleiro mesmo, nada bebeu, apenas queria seguir viagem. O cavalo estava cansado, mas parar ali, sob aquele sol, era impensável.
                Cavaleiro e cavalo seguiam rente à linha do trem, haviam visto dois trens, um no dia anterior, assim que anoiteceu, e um às dez horas da manhã do dia seguinte. Os trens eram de carga. Foi num trem desses, que chegaram seus algozes, transaram com sua mulher e mataram seu filho.
                O cavaleiro sabia que estava perto do destino, antes do anoitecer chegaria, iria direto para a casa de seu cunhado, irmão de sua falecida esposa, lá ele permaneceria e montaria a estratégia para destruir quem lhe destruiu.
                Antes de tudo acontecer, ele tinha um nome, mas não queria usa-lo, nunca mais. Agora era apenas cavaleiro. Ele ficou de coma, demorou um pouco para se recuperar, os médicos disseram que foi quase um ano, mas ele não ouviu, criou um tempo próprio, para ele, não era quase um ano e sim quase um mês.  Falou tanto isso para si, que era no que acreditava. Algo no entanto, não podia ser rejeitado. Ele tinha um projetil alojado perto da fronte. Toda vez que se estressava, ficava com fortes dores de cabeça, ou bastava estar cansado ou com sono. Demorou algum tempo, mas ele conseguiu se acostumar a isso, e até sentia falta quando não estava lá a maldita dor.
                Cavalgando rente a linha do trem, por vezes junto a trens. O cavaleiro teve que abandonar os trilhos, pois alguns metros a frente seria a estação, onde desembarcavam produtos e embarcavam outros. Ele não queria ser visto, não queria que soubessem que um forasteiro entrou na cidade. Ele esperaria num canto isolado pelo anoitecer, quando ocorresse, ele iria para a cidade, para a casa do seu cunhado. Ele então se desviou dos trilhos, atravessou uma região com muita vegetação rasteira e se abrigou sob uma enorme rocha inclinada para frente, que o protegia do sol. Ali bebeu o resto do cantil, deu de comer para seu cavalo e para si.
                Quando a noite chegou, o cavaleiro tirou de sua sacola de pano um capuz negro, algo como um sobretudo, vestiu-o, em seguida montou no cavalo e cavalgou para dentro da cidade. Galopes rápidos, barulhentos e levantadores de muita terra, invadiram a cidade. Antes que alguém decidisse procurar quem cortava à noite com trotes de cavalo, o cavaleiro já estava na casa de seu cunhado, fora rápido como uma bala. Seu cavalo marrom ficou no celeiro e ele na casa enorme, junto do cunhado. O cunhado explicou que ele não poderia sair de casa de dia, pois ali ninguém aceitava forasteiros, todos que chegavam lá os moradores faziam questão de mandar embora, os que insistem eram tratados como lixo, e muitas vezes se forjavam brigas, para darem motivos a nativos iniciarem um tiroteio com forasteiros e mata-los. Nem é preciso dizer que o cavaleiro ficou com medo, mas a vontade de vingança era muito maior.
                Ele descansou aquela noite. Não conseguiu dormir direito por causa dos cachorros. Latidos frequentes na vizinhança
                Pela manha seu cunhado conversou com ele, deu para ele dois revolveres prateados e mostrou onde guardava munições e mais armas, era no porão bem escondido da casa.
                À noite chegou.
                O cavaleiro não precisava lembrar de nomes, roupas e ou títulos, ele sabia bem o rosto dos que destruíram sua família, era só procurar. Então, quando a lua já estava no céu há muito tempo, o cavaleiro foi até o celeiro apanhar seu cavalo e partir.
                O capuz sobre a cabeça, dificultando ver seu rosto. As armas escondidas sob o sobretudo com capuz. Alguns galopes rápidos, e ele chegou num local onde havia muita agitação, decidiu ver se encontraria alguém ali. Ele parou o cavalo, saltou dele, o amarrou a uma das pilastras de madeiras do cabaré. O cavalo relinchou, o cavaleiro riu. Ele entrou com violência na porta dupla, de vai e vem. Lá dentro todos o encaravam, estranhamente tinham as mãos perto da cintura, estavam armados, não seria fácil pegar alguém ali. Então o cavaleiro fez a única coisa no velho oeste que acabaria com um mal entendido ali.
                — Me dê uma dose de Gim. — disse para o balconista.
                Quando o cavaleiro sorveu numa golada só o Gim, a conversa voltou ao cabaré, o ignoraram.
                Por todos os lados mulheres dançavam, roupas sensuais. Elas rodavam, alisavam e vez e outra colocavam as mãos dentro das calças de indivíduos mal encarados, nesse momento todos em volta sorriam, depois se formava um circulo em volta, para esconder o que a moça fazia em seguida, com o sortudo. Num canto meio esquecido, um rapaz tocava country no piano, e uma moça gorda acompanhava no violino. Fora a musica local, alguns gemidos femininos vinham do alto. O cavaleiro levantou a cabeça, tomando cuidado para que não vissem sua face, pois a luz em volta e um descuido do capuz, poderia fazer os presente verem sua face. Ele então descobriu que no alto havia um segundo andar, de onde saiam garotas e caras, e onde entravam garotas e caras. Eles transavam.
                De repente alguém sentou do lado do cavaleiro. Esse alguém perguntou se ele era forasteiro. O cavaleiro não respondeu, havia sido alertado pelo cunhado, para nada falar e evitar contato com outras pessoas, mas ele não fez a ultima parte, agora fazia à primeira, mas ela só faria sentido com a segunda parte.
                O individuo insistiu. Então o cavaleiro inventou. Disse que morava ali há anos, mas há pouco tempo, por causa de um ferimento quando caiu do cavalo, escondia o rosto e sua voz estava diferente. O cara, que já tinha bebido todas, acreditou.
                O cavaleiro bebeu mais três doses de gim, antes de ver seu algoz. Ele descia a escada, havia acabado de fazer sexo com uma menina de doze anos, coisa comum naqueles tempos, hoje também. Ele passou pelo bar, pediu uma cerveja, olhou de cima em baixo para o cavaleiro completamente coberto, como se fosse a própria morte, sorriu e perguntou por que escondia a cara.
                — A morte não tem face. — respondeu o vingador.
                — Meu deus, eu te conheço, nós te matamos seu puto. — disse o homem, quando olhou para dentro do capuz e reconheceu quem estava na sua frente, era o cara que mataram por engano.
                Em seguida, num ato impensado, de puro ódio e vingança, o cavaleiro puxou do coldre, que ficava no peito, os revólveres e deu dois tiros no peito do homem, que no passado desgraçou sua família. Algumas meninas correram assustadas com os tiros, a musica cessou e os músicos se abaixaram, mas muitos dos presentes não se intimidaram, sacaram seus revólveres e começaram a disparar em cima do cavaleiro, que conseguiu se esquivar, pulando para dentro do balcão do bar. De dentro do bar ele prosseguiu dando tiros, sua mira espetacular acertava muitos, mesmo quando não olhava. O cavaleiro estava usando o reflexo da luz causado nas garrafas que estavam em prateleiras acima do balcão, assim, olhando para as garrafas acima e à frente de si, ele sabia quem vinha, de onde vinha e como vinha, dai era só erguer os braços em forma de arco e colocar as mãos para trás, sobre o balcão, usando-o como apoio, e disparar, mesmo sem olhar, mesmo de costas.
                Quando suas balas acabaram, ele pegou uma espingarda e munições, que estavam penduradas no lado de dentro do balcão. Com espingarda é mais difícil atirar, não podia simplesmente fazer como fazia com os revolveres, então ele se ergueu, mirou, esquivou e matou. Exterminou cinco com a espingarda. Depois largou a arma e fugiu. Por azar, algumas balas haviam saído do limite do cabaré e ido para fora, algumas casas estavam repletas de tiros, a rua continha projeteis e infelizmente, seu cavalo estava quase morto, estava gravemente ferido, não resistiria. O cavaleiro chorou, acariciou a cabeça do cavalo e correu para a casa do cunhado. Ele não sabia, mas ele e o tiroteio entrariam para a historia da cidade, como o dia do cavaleiro fantasma. O barman havia ouvido a estranha conversa, alguém disse ser a face da morte, o outro disse que havia o matado, o cara matou vários dos homens mais violentos e perigosos da cidade numa única noite, ele não sofreu nada, só poderia ser um fantasma.
                A vingança começou, muito sangue ainda escorreria, muita morte aconteceria. Não teria fim. Era o velho oeste animado e sangrento.

cavaleiro Fantasma(parte 1).

           O silencio era mortal, mas no meio da noite foi quebrado, todos sabiam do que se tratava. Era um som estrondoso, vários na verdade, depois foram gritos desesperados, gemidos e sons de sofrimento intenso, depois um tiro foi dado, algum pistoleiro estava alvejando alguém, naquele velho oeste. Todos sabiam também que poderia ser o cavaleiro fantasma, um homem que diziam ter morrido trés vezes e que sempre voltava para vingar sua ultima morte. Depois que o mito começa, fica difícil separar o real do ilusório.
           Quando a noite estava no seu ápice, a lua brilhava intensa no céu, quando o silencio era perfeito, ouviam-se cascos de cavalo batendo contra o chão de terra, já sabiam que era o cavaleiro fantasma, ele trazia dois revolveres nos coldres na cintura, todas as armas carregadas. Trazia no rosto sinais de luta e experiencia. Era o homem que matara o xerife na frente de sua tropa, e ninguém se intrometeu, pois não queriam ter uma surpresa na noite seguinte.
            Diziam que seu cavalo era negro, com olhos vermelhos, do demônio, e dentes vermelhos, de sangue, diziam que ele se alimentava dos homens que o cavaleiro matava.
             Ele nunca aparecia no sol, era sempre à noite. E quando aparecia, usava um capuz negro, algo como um sobretudo, de onde tirava os revolveres do coldre, tão rápido que parecia magica. Diziam que quem o visse, seria a ultima coisa que veria na vida, e que se existisse vida após a morte, o cavaleiro iria buscar o infeliz do outro lado, pois o cavaleiro era um fantasma do diabo, havia feito trato com satanás, diziam as pessoas. Ele também foi apelidado de o homem de preto, pois só usava couro, mas tudo na cor preta.
             Naquela noite, o vingador das trevas, outro de seu apelido. Ele chegou em seu cavalo imenso, forte, negro e demoníaco. Ele desceu do cavalo, ninguém que o visse poderia ver seu rosto, pois o capuz e a escuridão o encobriam por completo, era como não ter face. Aos poucos ele se afastou do cavalo, puxou os dois revolveres do coldre, verificou se tinham balas no tambor, tinham, e eram banhadas a ouro. Ele dizia que suas vitimas tinham que conhecer a morte pela luxuria, pela cobiça. Ele andava de lado, naquela noite quente, mas escura demais, mesmo com a lua brilhando a todo vapor, talvez a presença dele trouxesse escuridão.
              Um chute na porta, outro chute, e mais um, e ela se rompeu, caiu com estrondo terrível no chão. O cavaleiro do diabo andou pela pequena casa de madeira do velho oeste. Ele procurava um homem, coitado. Aquele era o homem que desgraçou a vida do cavaleiro, embora só o cavaleiro soubesse disso, que um dia teve uma família, uma mulher, que fora estuprada na sua frente, e um filho que foi arrancada a cabeça, perante os olhos do demônio fantasma. Depois de tomar um tiro na cabeça, ele agonizou no chão de sua humilde casa, num local muito distante de onde estava, um local conhecido como terra do algodão, onde reinava a paz e a beleza. Ele sobreviveu, voltou para se vingar, já acabou com quatro dos homens que o destruíram, só faltava o ultimo, aquele que se tornou o segundo homem, o estuprador de sua bela Sophia, adorável, bela e morta.
               Enquanto caminhava à procura do seu ultimo algoz. Encontrou uma garotinha, não mais que seus dezesseis anos. Quanta maldade, ela parecia sua Sophia, só que mais nova. Ela estava assustada, acordou às pressas, por causa dos sons na porta. O fantasma admirou a garota, como era linda. Perguntou quem era seu pai, ela disse o nome do algoz do fantasma. O cavaleiro fez algo que nunca imaginou fazer, uma vingança repleta de passionalidade, de ira, de furor, dor, angustia e lembranças de sua Sophia. Por coincidência, a garota se chamava Sophie, então o cavaleiro nem precisou mudar muito o nome, na hora de penetrar no anus da criança, na hora de acabar com sua virgindade e na hora de ejacular. Depois disso, para vingar seu filho, o cavaleiro ,que carregava um facão enferrujado e pouco afiado, decidiu cortar a cabeça da jovem atordoada. Bom, talvez ele fosse sim um demônio como diziam, mas não seria se não tivessem destruído sua vida. E o pior, aquilo havia sido um engano, queriam destruir outra família, endereço errado e deu no que deu.
               O fantasma chorou, quando viu o que tinha feito, havia perdido a cabeça, estava há seis anos sem sexo, desde que mataram sua Sophia, e ver alguém igual a ela o fez perder o controle. E saber de quem a garota era filha, deu ódio, ira, tinha que vingar as desgraças que fizeram em sua família. Atordoado ele saiu da casa, andou no chão de terra, levantando poeira. Quando subiu em seu cavalo, algo perfurou suas costas, uma dor lancinante o destruiu e o fez cair do cavalo. Ele caiu desajeitado no chão, de mal jeito, o que quebrou sua coluna, estava acabado, as dores eram insuportáveis, ele sangrava muito. Tinham dado um tiro certeiro no seu pulmão direito, ele colocava sangue pela boca, nariz e pelo ferimento nas costas.
               Agonizando, o fantasma viu seu algoz se aproximar, era o cara que tinha estuprado sua linda mulher. Ele colocou o revolver prateado, polido, na sua cara, ameaçou apertar, o cavaleiro sorriu, morrer seria melhor. Foi quando um dos capangas do algoz saiu de dentro da casa, trazia a triste noticia, da morte de sua filha. Olhando para o fantasma, o homem viu o ódio aflorar em si, o sorriso do maldito moribundo o dava vontade de puxar o gatilho. Mas pacientemente ele aguardou, não deu o tiro certeiro. Ele enxugou as lagrimas, entrou para ver o cadáver de sua filha. Voltou trazendo um banco de madeira, com assento arredondado, ele o fincou no chão de terra e se sentou. Ali ele ficou até amanhecer, vendo a morte lenta, dolorosa e terrível do seu algoz, que gemia, definhava, alucinava. pela manha viram que ele era apenas um homem, comum, que seu cavalo não tinha olhos vermelhos e nem que era do mal, era só um cavalo. O homem sentiu ligeira familiaridade pelo cavaleiro fantasma, mas não soube de onde vinha.

Síndrome do pânico.

       "Quantas verdades suportamos antes de descobrir que tudo foi mentira? Quantos tombos aguentamos antes de ficarmos aleijados? Tantas pessoas falam de tantas coisas, de amor, de ódio, de tristeza e felicidade. Mas duvido que alguma delas consiga explicar cada um dos sentimentos que dizem entender. Todo mundo sabe de tudo, menos de como ajudar o próximo" O rapaz falava. Estava deitado em sua cama, num quarto bem iluminado, com a lâmpada do teto, um abajur e duas velas. Ele falava num gravador, queria registrar seus sentimentos. Alguém disse que era bom externar sentimentos, o rapaz só não lembrava quem tinha dito isso para ele. Talvez fosse uma grande besteira, mas com a insônia misturada ao medo de dormir e morrer, não custava tentar seguir conselhos de alguém.
        Enquanto ele fazia as gravações, ao som de Johnny Cash, ele não percebeu uma tempestade que chegou rápido destruidora, forte o suficiente para acabar com a energia elétrica do bairro inteiro e outras regiões do seu estado.
        "Ah meu deus, agora faltou luz. Trovões invadem cada cômodo da casa. O brilho de vários raios é possível ver. A escuridão é aplacada pelos raios, mas estou com medo. Quer saber, vou vencer esse medo é agora." Ouve-se então uma cacofonia, chiados. Após um tempo retorna o jovem, ele pega o aparelho e continua a gravação. "Vou superar o medo. Apaguei as velas."
          O tempo foi passando, num total, nada mais que três minutos, mas para o jovem, um pouco mais que uma hora. O desespero bateu. Ele não sabia onde estavam os fósforos, não estava com o celular perto, e havia esquecido onde tinha deixado os óculos. Estar com miopia avançada no escuro quase total, isso é de enlouquecer mesmo. Como ele dizia, os óculos deixam o escuro mais nítido.
          O coração podia ser ouvido, retumbando junto aos trovões. Infarto.
          "Ah meu deus, estou morrendo, se alguém ouvir isso, perdoe tudo de ruim que fiz. Amo todos vocês. Eu não quero morrer de infarto". O desespero crescendo, cada batida cardíaca parecia ser mais forte e rápida que a anterior. O peito chegou num ponto crucial, os batimentos mais de duzentos por hora, dor no peito, sensação de desmaio, iria morrer, sabia disso. "Ah meu deus, não quero morrer, me ajude, por favor". Disse o jovem, não para o gravador, mas ele captou a voz, um pouco distante, já que o rapaz deixou o aparelho sobre a cama e ficou sentado, deixando de estar deitado. Ele respirava com dificuldade, era o fim, sabia. Quanto mais media a pulsação, mais ele percebia o fim, já quase não sentia intervalo entre os batimentos. No silencio que era quebrado pelos trovões, passou a ser quebrado também pela respiração muitíssimo ofegante do jovem. De repente cessou, não achava que ia morrer, o coração pareceu quieto e tranquilo, talvez sempre tivesse estado daquele jeito, tranquilo, com batidas regulares. Talvez fosse uma alucinação de pânico, ele não sabia responder, só sabia que estava mais tranquilo agora, não achava mais que morreria. Então se deitou e voltou para o gravador.
            "Não morri, talvez tenha sido um ataque de pânico. Estou vivo. A luz ainda continua apagada, a chuva intensa, mas os trovões cessaram. os raios também. Me sinto tão só agora, tão angustiado. Nem sei onde está a vela, fosforo, óculos, celular, nada".
             De repente a luz voltou, mas logo cessou, foi bem momentâneo, mas o suficiente para apavorar mais ainda o garoto. Quando a luz deu uma piscada, ameaçando retornar, o jovem viu alguém com o canto do olho direito. Alguém estava de pé, próximo a sua cama, entre ela e a porta de saída. Agora a luz estava novamente apagada, trazendo desespero. Na verdade ele não sabia se tinha alguém, fora uma impressão qualquer, mas forte demais para ele. Desespero, angustia, solidão, síndrome do pânico, medo, fim, sofrimento, morte.
            "Ah meu deus, quem está aqui? Por favor, quem está aqui?"
            O gravador continuou gravando, estava sobre seu peito. Ele não gravava perfeitamente. De repente uma nova cacofonia, era o gravador caindo para o lado, o rapaz estava se levantando. Suas pernas tremiam, seu coração estava disparado, ele suava, mesmo estando frio. O jovem sentia que ia desmaiar, parecia que iria morrer, era o fim. Ele correu, usou o tato e a memoria, conseguiu achar os fósforos. Então pôs as velas para voltarem a brilhar, com suas chamas consumindo bastante oxigênio, e se estendendo para bem alto, iluminando bem o quarto. O jovem então percebeu que não existia nada lá, apenas ele e a toalha presa na maçaneta da porta, o que pode ter causado uma impressão de silhueta humana.
              "Ah, foi só uma toalha. Não era fantasma. Não estou morrendo e nem desesperado mais. Não estou angustiado e nem paranoico".
               De repente uma sensação apavorante o atingiu. Ele sentiu como se o mundo a sua volta fosse falso, como se tudo fosse irreal, como se ele próprio fosse uma mentira. Ele sentiu como se seu corpo fosse o de outra pessoa, como se estivesse possuindo alguém. De repente qualquer movimento que fazia, dava-lhe a sensação de estar sendo feito por alguém, e não por ele. Tudo que sentiu pareceu ter sido produzido por alguém, pelo dono do corpo. Ele se sentia um estranho no corpo, como se não fosse dele, e como se o corpo tivesse vários problemas. Agora sim seria o fim.
             "Estou vivo, passou, estou melhor. Acho que é ataque de síndrome do pânico. Só pode. Eu sinto dor no peito, coração acelerado, angustia, morte iminente, mas meus exames médicos nunca mostram problemas. Só pode ser pânico, ansiedade, algo assim.". Enquanto falava, a luz voltou. Mas a noite já estava no fim. Aquilo durou algumas horas, mas bem poderia ter sido toda a eternidade. Agora ele conseguiria dormir, com o calor e conforto da luz do sol. Parecia que todos seus problemas se resolveriam quando chegasse o sol. Tudo isso, para que duas noites seguintes, voltasse ao desespero da síndrome do pânico.

O feitiço se vira contra o feiticeiro.


                  Rápido aconteceu, foi até mesmo difícil de entender.
                 O homem que na carteira de identidade carregava o nome de Antônio, mas adotava o pseudônimo de Wargnor, era ligado ao ocultismo, magia negra e bruxaria, ele se considerava uma reencarnação poderosa, de um antigo sacerdote oriental. Esse homem tinha nas mãos um enorme livro, que ele acreditava ser o livro dos mortos, não o necronomicon, pois esse fora criado pelo ilustre lovecraft, Wargnor acreditava ter em mãos o livro real dos mortos, algo que fora esquecido há tanto tempo.
                 Wargnor, o feiticeiro, usava o livro enorme, com 40 centímetros de altura e 105 de largura, ele ficava sentado numa poltrona vermelha, com adereços do século 17, os pés da poltrona eram arqueados para dentro, o local que o feiticeiro ficava era algo que ele chamava de "laboratório", onde ele realizava seus experimentos mágicos. Com as paredes avermelhadas, uma porta grossa, de madeira, com entalhes de símbolos mágicos, o pesado livro sobre as coxas, ele iniciou o "experimento". Invocou alguns seres sobrenaturais, falou línguas mortas, outras que nunca foram usadas oficialmente.  Em seguida fez cortes em seu corpo, que estava despido na parte superior. O sangue saia lentamente, molhando a calça jeans escura e ficando na faca ritualística. Vários cortes foram feitos, todos complexos, ele estava desenhando símbolos antigos no corpo nu, eram triângulos, olhos solitários, letras que mais pareciam um desenho de criança. Depois de ter feito isso, o feiticeiro entrou num estado de meditação profunda, deixou a faca ritualística cair no chão, ficou apenas com o livro aberto em seu colo, o sangue ainda escorrendo de sua barriga e peito, o sangue ia parar nas paginas velhas, amarelas e deterioradas do livro e na sua calça jeans escura.
            Enquanto esperava o contato com os mortos, com alguém muito especial, uma voz soou ao longe, parecia longe e parecia vinda de sua cabeça. A voz dizia : Vens comigo, preciso de você, agora.
             Wargnor não conseguiu se mexer, aquelas palavras pareciam ter sidos ditas por uma voz familiar, mas não gostou do tom, parecia um tom de urgência, e urgência vindo do mundo dos mortos nunca era bom, era sempre um chamado à própria morte. O feiticeiro tentou abrir os olhos, mas algo impedia, era algo como a própria morte, era como se estivesse selado, dali talvez seguisse direto para o caixão e o cortejo fúnebre. Mas não queria morrer, não queria partir, embora mexesse com necromancia, não queria partir, ser um deles, e quando seus olhos não se abriram, ele se sentiu terrivelmente preso em seu cérebro, talvez a vida após a morte não existisse. Talvez fosse a experiência de quem esteve próximo dela, o cérebro produzindo alucinações. Ele não sabia de onde vinha aquele pensamento, mas não era dele, ele tinha total convicção da vida após a morte, o pensamento talvez fosse de algum documentário cientifico, talvez estivesse guardado em sua mente e agora na morte tornou a surgir, para testar sua fé.
              O desespero cresceu, o feiticeiro chegou a ouvir o som do inferno, eram seres desencarnados gritando, desesperados, implorando para estarem vivos novamente, pedindo perdão e socorro. Era o som da Danação, e aquilo angustiou o feiticeiro, que naquele momento só queria voltar para casa, para seu conforto. Após esse período, que pareceu muito extenso, mas nem foi, o feiticeiro acordou, não estava na poltrona estranha, não tinha faca na sua mão, na sua frente estava a poltrona, nas suas costas a porta pesada da saída, e entre ele e a poltrona, estava seu corpo, ele estava mesmo morto, estava caído de cara no chão. Daquele momento em diante só a loucura, a angustia, o desespero e a dor passaram a compor o ambiente do "laboratório". O feiticeiro andava de um lado para o outro, sentia ainda arder o seu peito e barriga, mas já tinha lido sobre isso, era o espirito que ainda guardava lembranças dos últimos momentos de vida. Desesperado, ele começou a tentar realizar rituais de ressuscitação, de possessão, e tudo que pareceria fazê-lo voltar à vida.
              "Porra, cadê o Otávio?" Pensou o feiticeiro, se lembrando de seu irmão. Talvez ainda existisse vida, e se fosse salvo a tempo, talvez voltasse ao corpo, mas Otávio sumira.
               No chão, um duplo de si, com as calças jeans desbotadas, sem camisa, cabelo grande, amarrado num rabo de cabelo. O desespero cresceu, estava morto, sabia disso, estava vendo seu corpo, não queria partir. Agitado, ele correu para o livro necromante, passou os olhos nele, enquanto o segurava nas mãos, mas algo estava errado, havia ainda uma esperança. O livro necromante não exibia os nomes dos mortos, como era de se esperar, mas exibia os rituais. No nosso mundo ele exibiria os rituais, no mundo dos mortos, exibiria os nomes dos mortos, a partir disso o feiticeiro passou a odiar seu irmão, por que ele não aparecia e o tirava daquele limbo? Maldito seja. "Salve-me Otávio". Gritou o feiticeiro, mas ninguém surgiu para ajuda-lo, enquanto isso, seu corpo continuava no chão, sem sinais de que levantaria. Mas a esperança ainda reinava, enquanto o livro não mostrasse o nome dos mortos, ele estaria ainda no limite humano da vida, com chances, agora era esperar um milagre. Talvez fosse ressuscitado por médicos, e quem sabe, não voltaria sem sequelas.
                 De repente um som de estouro, depois outro e outro, em seguida alguém forçou a porta de madeira, com entalhes de feitiçaria. Alguém estava ali, poderia ajuda-lo. Mas quando a porta se abriu, não foi bem o que o feiticeiro esperava ver. Para dentro do "laboratório" entraram homens usando roupas pretas, coletes, rifles poderosos. Eram policiais da tropa de elite. Assim que entraram, puseram logo o rifle na cara do feiticeiro, o assustando e o deixando em estado quase que catatônico. Foi então que as coisas clarearam, foi quando ele percebeu que o corpo no chão não era ele próprio, era antes seu irmão Otávio, que era seu irmão gémeo. As vozes vindas da Danação, eram apenas gritos desesperados do seu irmão, querendo escapar da morte. O feiticeiro havia o matado, num dos ataques de loucura. "Como não notei que a calça dele esta desbotada".